Prazer, desprazer – À semelhança da metáfora – “se o mar não tivesse coragem de na praia morrer, o espetáculo das ondas não iria acontecer”, é nas profundezas do luto que, paradoxalmente, encontramos a força para a reinvenção (Machado, 1990). Quando enfrentamos o desconhecido da perda, a resiliência humana é testada e a capacidade de transformação se manifesta.
A concepçãofreudiana
Luto e o princípio do prazer
A concepçãofreudiana do “princípio do prazer” nos conduz ao entendimento de que a natureza humana é perpetuamente motivada pela busca de satisfação e evitação da dor (Freud, 1920). Em contraste com essa premissa, o luto emerge como uma das experiências mais dolorosas e inevitáveis da condição humana. A cada perda enfrentada, somos lançados na incerteza de um terreno desconhecido, onde as emoções são intensas e frequentemente conflitantes.
Contudo, à semelhança da metáfora “se o mar não tivesse coragem de na praia morrer, o espetáculo das ondas não iria acontecer”, é nas profundezas do luto que, paradoxalmente, encontramos a força para a reinvenção (Machado, 1990). Quando enfrentamos o desconhecido da perda, a resiliência humana é testada e a capacidade de transformação se manifesta.
A caminhada existencial e os atalhos afetivos
A existência humana não segue um caminho linear. Como Bachelard (1957) sugere em sua poética do espaço, o ser humano é frequentemente seduzido por “oásis olfativos/afetivos”, interlúdios que pontuam e enriquecem nossa trajetória. Esses atalhos imprevistos muitas vezes nos conduzem a epifanias e conexões profundas que ressoam além do momento vivido. Nesse cenário, o caráter errante de nossa jornada adquire propósito, e nossas experiências emocionais se tornam faróis na escuridão da incerteza existencial.
A dialética do encontro e desencontro
Viver é um contínuo balanço entre polaridades. Entre cada encontro, frequentemente nos deparamos com desencontros que, embora dolorosos, são fundamentais para a autocompreensão. Como defendido por Sartre (1943), nossa existência é marcada pela dualidade, e a vida ganha significado na tensão entre estes opostos. O entendimento deste movimento dialético nos permite valorizar os encontros e aprender com os desencontros, consolidando um senso de identidade mais resiliente e adaptável.
O desejo, a razão e a moral
O conflito entre desejo e razão é uma questão central na filosofia e na psicanalise. Lacan (1960) argumenta que o desejo humano é uma busca incessante e, frequentemente, se opõe à nossa estrutura moral e racional.
Esta “falta” que impulsiona o desejo nos torna vulneráveis a impulsos que podem conflitar com nossa compreensão ética do mundo. Entender esta dinâmica é fundamental para que possamos lidar com os dilemas internos, usando o conhecimento psicanalítico como bússola em meio às tempestades emocionais.
A ausência como motor de busca
A natureza efêmera da existência humana é frequentemente marcada por ausências. Estas lacunas, como sugerido por Derrida (1972) em suas reflexões sobre a “diferença”, moldam nossa percepção, desejos e ações. Essa “ausência-presente” serve como um lembrete constante de nossa busca por significado. É o vazio que nos impele a buscar, a aprender e a crescer, tornando a ausência uma força motriz no processo.
A vida é uma viagem de autoconhecimento, impulsionada tanto pelas buscas como pelas ausências. A psicanalise, juntamente com reflexões filosóficas, nos oferece as ferramentas para mergulhar no profundo oceano do psiquismo humano, reconhecendo que cada onda de emoção, desejo ou perda é uma oportunidade de crescimento e transformação.
PRAZER, DESPRAZER
Morte e retorno à inorganicidade
A morte, inevitável e misteriosa, é uma constante universal que afeta todos os seres humanos. Desde os tempos mais remotos, ela tem sido um ponto de reflexão filosófica e religiosa. O Gênesis, ao declarar “Tu és pó e ao pó da terra retornarás” (Gênesis 3:19), não apenas sublinha nossa natureza transitória, mas também nosso retorno inevitável ao estado inorgânico.
Heidegger (1927) também explorou este conceito, considerando a morte como a possibilidade máxima da existência humana. Este retorno à inorganicidade não é apenas um final, mas também um lembrete da fragilidade e preciosidade de cada momento vivido.
A experiência subjetiva da perda
A morte é um fenômeno concreto, mas sua experiência é profundamente subjetiva. Quando Pessoa nos aconselha a “Seguir o destino, regar as plantas e amar as rosas”, ele nos pede para encontrar significado e beleza na vida apesar da impermanência (Pessoa, 1935).
Esta experiência subjetiva da perda nos confronta com o vazio, mas também nos dá a oportunidade de refletir sobre o que realmente valorizamos, tornando-se um convite a viver com autenticidade e profundidade.
O luto e a ressignificação
O luto, um processo inerente à experiência humana, é mais do que apenas dor. Como Freud (1917) postulou em seu ensaio “Luto e Melancolia”, ele é um processo necessário de trabalho interno, permitindo a desvinculação do objeto perdido.
Esta separação, embora dolorosa, também abre a porta para a ressignificação. A dor pode ser transformada em compreensão, aceitação e, eventualmente, em um novo propósito ou significado para a vida.
Transitoriedade e permanência
No âmbito da existência, oscilamos entre a transitoriedade de nossa condição mortal e a busca de algo permanente, algo que transcenda nossa breve passagem pela Terra. Para muitos filósofos, como Bergson (1907), a duração, com seus momentos efêmeros e fluxos contínuos, é a verdadeira natureza do tempo. No entanto, é no equilíbrio entre aceitar a efemeridade da vida e buscar legados duradouros que podemos encontrar a verdadeira paz e propósito.
A “lâmpadafreudiana/lacaniana” e a escolha pela vida
No vasto oceano da psicanalise, a noção de libido, conforme explorada por Freud e posteriormente por Lacan, serve como um farol. Ambos os teóricos examinaram os desejos humanos, as motivações subjacentes e os conflitos inerentes à mente humana. Freud (1923) em seu modelo estrutural da mente enfatizou a luta constante entre o Id, o Ego e o Superego.
Este equilíbrio delicado entre desejos internos e pressões externas é o que dá forma à nossa experiência da vida. A escolha de viver plenamente, aceitando tanto os prazeres quanto as dores, é um ato de coragem e determinação.
A morte, o luto e a ressignificação são componentes inextricáveis da experiência humana. Confrontar e aceitar estes conceitos não apenas nos ajuda a lidar com as inevitáveis perdas e desafios da vida, mas também a viver com maior profundidade e propósito. Em última análise, a forma como interpretamos e reagimos a estes fenômenos determinará a riqueza e a qualidade de nossa existência.
Ressignificação da Existência (prazer, desprazer)
Luto, Memória e Subjetividade em Movimento
Viajar por esse trem chamado vida requer enfrentar várias estações, incluindo as de luto e memória. Como propõe Stroebe et al. (2008), o luto não é linear, mas sim um processo dinâmico que varia em intensidade e manifestação ao longo do tempo.
Essas memórias, por sua vez, tornam-se peças chave que conectam o nosso passado ao presente. São através delas que revisitamos momentos, revivemos emoções e, consequentemente, moldamos nossa subjetividade. Ao embarcar e desembarcar dessas “estações”, cada experiência é integrada, permitindo a contínua transformação do ser.
A Vida Como Uma Viagem de Trem
A vida, quando visualizada como uma viagem de trem, adquire uma beleza particular. Cada estação representa uma fase, um momento, uma escolha. Elkind (1981) reflete que cada fase do desenvolvimento humano tem suas próprias exigências e desafios.
Assim, enquanto algumas estações são repletas de alegrias, outras são marcadas por desafios e adversidades. Essa perspectiva metafórica nos lembra que, apesar dos altos e baixos, o objetivo principal é continuar em frente, guiado pela “locomotiva/eu” que busca autenticidade e propósito.
A Dualidade do Prazer e Desprazer nas Estações da Vida
O trem da existência não promete apenas paisagens belas ou viagens tranquilas. Assim como descreveu Freud (1920), a dinâmica do prazer e desprazer está sempre em jogo. Cada estação traz consigo oportunidades e obstáculos, alegrias e tristezas.
Esta dualidade é fundamental para nosso crescimento. Aceitar ambas as faces da moeda, como propõe Pessoa, é reconhecer que a dor e a alegria coexistem, ensinando-nos lições valiosas sobre resiliência e autodescoberta.
A Energia Vital da Libido em Movimento
A “locomotiva” de nossa jornada é impulsionada pela libido, a energia que nos move em busca de satisfação e realização. Freud (1915) propôs que essa energia vital está constantemente buscando expressão, quer seja através de atividades criativas, relacionamentos ou até mesmo desafios.
Cada estação da vida oferece oportunidades para expressar, recalibrar e reinventar essa energia, garantindo que a jornada continue com vigor e determinação.
A Estação do Luto e a Reconstrução do Eu
A parada no luto é uma das mais desafiadoras. Aqui, o trem da existência abranda, permitindo uma introspecção profunda. O luto, como Bowlby (1980) argumentou, é um processo natural e necessário de desvinculação e reconstrução.
Na poesia de Pessoa, encontramos consolo na ideia de que, mesmo nas sombras da perda, há potencial para crescimento e renovação. Este é o momento de reconfigurar, de refletir sobre o que foi perdido, mas também de reconhecer o que ainda permanece e pode ser reconstruído.
A jornada no trem da existência é uma tapeçaria rica e intrincada de experiências e emoções. Cada estação visitada, cada paisagem vista, cada interação vivida contribui para a complexidade e profundidade do que significa ser humano.
Aceitar a dualidade da vida, reconhecer a força da libido e enfrentar a estação do luto são etapas cruciais para a ressignificação e a busca por um propósito maior. E, como qualquer viajante sabe, é a jornada – não o destino – que realmente importa.
A Psicanálise e o Luto (prazer, desprazer)
Da Contribuição Freudiana à Perspectiva Lacaniana
Sigmund Freud, com sua revolucionária teoria psicanalítica, lançou as bases para a compreensão contemporânea do luto. Ele considerava o luto um processo natural, onde o ego gradualmente desinveste energia do objeto amado que foi perdido (Freud, 1917).
Jacques Lacan, posteriormente, expandiu e reinterpretou as ideiasfreudianas, enfatizando os vínculos simbólicos e imaginários que permanecem mesmo após a perda (Lacan, 1966). Ambas as perspectivas têm suas particularidades, mas convergem na ideia de que o luto é uma experiência intrínseca à condição humana.
Freud e a Ruptura dos Paradigmas da Sexualidade
A contribuição de Freud à psicanalise, e especialmente à nossa compreensão da sexualidade, foi radicalmente revolucionária. Ele postulou que a sexualidade não estava restrita à reprodução, mas era, de fato, um componente central da identidade e comportamento humanos (Freud, 1905).
Esta perspectiva quebrou paradigmas estabelecidos e provocou debates vigorosos na época. Por meio desta abordagem, Freud foi capaz de conectar o luto à reconfiguração da energia libidinal após uma perda significativa.
A Libido como Força Central
O conceito de libido, introduzido por Freud, é uma força motriz que impulsiona o comportamento humano, guiando nossas ações, desejos e emoções (Freud, 1915). No contexto do luto, a libido desempenha um papel crucial: ela representa a energia investida no objeto amado que foi perdido.
Ao longo do processo de luto, esta energia é gradualmente desinvestida e redirecionada para outras fontes de gratificação, permitindo ao indivíduo continuar sua vida apesar da dor e da perda.
O Luto na Perspectiva Freudiana
Para Freud, o luto é uma resposta à perda de um objeto amado, seja uma pessoa, um ideal ou uma fase da vida (Freud, 1917). Este processo envolve a dolorosa tarefa de desinvestir a libido desse objeto, reconhecendo sua ausência e permitindo que o ego se proteja da intensidade do sofrimento.
No entanto, quando esse desinvestimento não ocorre adequadamente, pode-se desenvolver o que Freud chamou de “melancolia”, uma condição mais profunda e patológica que o luto comum.
Lacan e o Vínculo Simbólico e Imaginário
A abordagem de Lacan sobre o luto se distancia um pouco das ideiasfreudianas. Enquanto Freud se concentrou no desinvestimento libidinal, Lacan viu a perda mais como um desafio à estruturação simbólica e imaginária do sujeito (Lacan, 1973).
Para Lacan, mesmo na ausência física, o objeto amado pode continuar a existir no plano simbólico, mantendo uma presença que exige reconhecimento e elaboração.
A psicanalise, através das lentes de Freud e Lacan, fornece uma profunda compreensão do luto e da ressignificação da existência após uma perda. Ambas as teorias, com suas nuances e focos distintos, nos oferecem ferramentas valiosas para compreender, enfrentar e integrar o luto em nossas vidas.
Esta integração não apenas facilita a cura, mas também enriquece nossa compreensão da complexidade e profundidade da experiência humana.
Busca pelo Autoconhecimento (prazer, desprazer)
O Caminho Lacaniano e a Descoberta da Esperança
Lacan, expandindo as ideiasfreudianas, conceitua o luto como um momento potencial para a introspecção e o autoconhecimento (Lacan, 1966). Segundo ele, em meio ao caos e desorientação da perda, há um caminho que nos leva à esperança. Esse trajeto é marcado pela compreensão das estruturas da psique: as paixões (Id), a razão (Ego) e a moral (Superego).
Cada uma dessas estruturas oferece uma perspectiva diferente sobre a perda e a recuperação. Portanto, o luto não é apenas um momento de desespero, mas uma janela para uma compreensão mais profunda de si mesmo.
O Paraíso da Subjetividade e o “Self” em Jung
Carl Jung, diferentemente de Freud e Lacan, concebeu a ideia do “self” como o núcleo da personalidade humana (Jung, 1959). Para ele, o luto é uma oportunidade para explorar o paraíso da subjetividade e expandir o espaço/tempo do “self”.
Esse espaço/tempo não é limitado pela dualidade do bem e do mal, mas é uma esfera na qual o indivíduo pode enfrentar e superar complexos inconscientes. Ao fazer isso, o indivíduo é capaz de distinguir entre as forças do ego e do “self”, e assim, solidificar sua individualidade.
A Libido e a Formação da Personalidade
Freud argumentou que a libido, a força vital, desempenha um papel crucial na formação da personalidade (Freud, 1915). Está profundamente enraizada nas pulsões de vida e de morte e influencia como nos relacionamos com o mundo ao nosso redor.
Quando confrontados com a realidade do luto, somos forçados a reavaliar nosso próprio lugar no universo, e como a libido é investida. Esta reavaliação pode resultar em uma personalidade mais resiliente e adaptada à natureza efêmera da existência.
Autoconhecimento e a Aceitação do Sofrimento
O processo de luto pode ser extremamente doloroso. No entanto, ele oferece uma oportunidade para o autoconhecimento (Freud, 1917). Ao refletir sobre a natureza da perda, somos levados a confrontar o caráter transitório da vida.
Ao aceitar essa realidade, e ao mesmo tempo entender nosso lugar dentro dela, desenvolvemos uma personalidade mais integrada e em harmonia com o mundo ao nosso redor. Esta aceitação do ciclo da vida é fundamental para a maturidade psicológica.
O Amor como Força Unificadora e a Coragem do “Ego/Self”
O amor, segundo Terêncio (2011), possui a capacidade de superar a dualidade e conectar os seres humanos em um nível mais profundo.
Em meio ao luto, é o amor que nos lembra da beleza e significado da vida. A coragem de confrontar o próprio “ego/self”, de entender e aceitar a natureza fugaz da existência, é o que nos permite formar conexões autênticas com os outros e com o mundo à nossa volta.
CONCLUSÃO
A jornada através do luto, vista através das lentes da psicanalise, é uma das mais desafiadoras, mas também uma das mais enriquecedoras experiências humanas.
Os pensamentos de Lacan e Jung, complementados pelas ideias originais de Freud, oferecem um caminho para a introspecção, autoconhecimento e, finalmente, a ressignificação da existência.
Aceitar a natureza efêmera da vida, e ao mesmo tempo encontrar significado e propósito, é talvez uma das maiores conquistas do espírito humano.
Floripa, 20.08.23
REFERÊNCIAS BÁSICAS
- “O Mal-Estar na Civilização” – Sigmund Freud (1930)Resenha: Neste ensaio, Freud explora a tensão entre o indivíduo e a sociedade. O autor questiona as origens do sofrimento humano e se posiciona sobre os conflitos entre o desejo individual de busca pelo prazer e as demandas repressivas da civilização. O luto, como uma das manifestações desse mal-estar, é discutido no contexto da perda e da renúncia pulsional.
- “Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise” – Jacques Lacan (1964)Resenha: Esta obra de Lacan é fundamental para quem deseja entender sua visão da psicanalise. O livro reúne seu seminário de 1964 e destaca os conceitos de inconsciente, repetição, pulsão e transferência. O luto é abordado em relação à perda e ao desejo, propondo uma perspectiva diferenciada dafreudiana.
- “O Eu e o Inconsciente” – Carl Gustav Jung (1938)Resenha: Neste trabalho, Jung explora a dinâmica entre o eu consciente e o mundo do inconsciente. O autor discorre sobre os arquétipos, os complexos e a individuação, demonstrando como o “self” emerge e se relaciona com o mundo exterior. O luto, sob a perspectiva junguiana, é um caminho potencial para a individuação e o autoconhecimento.
- “A Insustentável Leveza do Ser” – Milan Kundera (1984)Resenha: Apesar de ser um romance, este livro de Kundera aborda profundamente questões filosóficas e existenciais relacionadas ao amor, traição e, especialmente, à natureza efêmera da existência. Kundera explora o luto não apenas como uma resposta à morte, mas como uma resposta à transitoriedade da vida e ao peso das escolhas.
- “O Livro do Desassossego” – Fernando Pessoa (sob o heterônimo Bernardo Soares, 1982)Resenha: Este é um dos mais célebres livros da literatura portuguesa, composto por uma série de fragmentos e reflexões. Pessoa, através de seu heterônimo, discorre sobre temas como solidão, melancolia e a busca incessante por significado em uma vida muitas vezes percebida como vazia. A temática do luto é abordada de forma implícita, através da constante reflexão sobre a efemeridade e a impermanência.