Prepare-se… neste texto apresento algumas linhas reflexivas a respeito da contribuição da(s) psicoterapia(s) à “desconstrução e reconstrução” da experiência afetiva, vinculante de sentido à família.
A intenção é caracterizar a problemática, aprofundar a reflexão e transformar as atitudes defensivas em afirmativas, por meio do diálogo construtivo.
A reconstrução do sentido
Curiosamente, quando se fala em psicoterapia, o horizonte que se descortina, apresenta cenário contagiante…sedução à imaginação.
Aqueles que se deixam sensibilizar pela diversidade das ajudas colaborativas, sistematizadas em abordagens teóricas e possíveis convites às conexões psicoterapêuticas, dão-se conta.
Neste caso específico, o que se observará da janela do “olhar psicoterapêutico” será a família.
De início, é de bom alvitre caracterizar e socializar a bandeira cultural pioneira, à modafreudiana, que auxilia na compreensão desta temática.
Quando se fala em psicanalise, no contexto das psicoterapias, fala-se de profissionais formados em diversas áreas que se identificam e se apresentam com formação, especialização e prática em psicanalise.
A psicoterapia
(…) na sua amplitude, compreende tanto profissionais formados em psicologia, aptos à prática, bem como, outros profissionais com formação específica e comprovada em psicoterapia, por meio de cursos de especialização ou em instituições de ensino livre, reconhecidas no mercado pela competência e proficiência na formação de psicoterapeutas, distantes de quaisquer tentações corporativistas.
Finalmente, a “psicanalise” se volta para a terapia que parte do inconsciente, em busca do autoconhecimento e visa a reconstrução da personalidade, em trabalho árduo, conjunto e consentido.
Por outro lado, as diversas psicoterapias consideram outros objetivos, também focados no bem-estar da saúde físico-mental, conforme suas especificidades, a partir do consciente/paciente.
Tem-se então, a psicanalise, referenciada desde Freud/Lacan, divulgada, aprofundada e enriquecida pelos seguidores até aos dias de hoje.
Busca-se, assim, a origem dos problemas.
O psicoterapeuta
(…) cuida da saúde psicológica dos pacientes, sempre numa atitude colaborativa.
Psicoterapeuta e pacientes, por meio da metodologia da livre associação de palavras, comprometem-se na busca do melhor caminho.
Por uma questão de princípio da psicanalise, deve-se garantir o respeito – à subjetividade protagonista (auto diálogo) – do analisado, pedra angular desta psicoterapia.
A ressignificação do sentido existencial do “eu-nós” por meio da recuperação dos laços vinculantes, parte da constatação de que a própria natureza da relação familiar, “experiência comunitária” em sua essência, é parte constitutiva da construção identitária dos sujeitos na relação. Logo, precisa ser retroalimentada.
Amar o outro
(…) não é tomar posse/usar de sua existência, transformá-lo à sua imagem e semelhança, empobrecê-lo para que se adapte às suas necessidades e circunstâncias. Amar o outro é, simplesmente, fazer o outro existir – estar “sempre à disposição” – acolhimento do sentir.
Se a relação for efetiva e intensamente saudável, longe de relações hierárquicas e de poder, ambos se beneficiam da experiência amorosa perspectivando crescimento à própria existência e à existência do outro – isto é, pertencimento e identidade na família.
Este ponto de partida é significativo neste contexto revitalizante, de amar o outro em situações de equilíbrio e desequilíbrio, de alegria e tristeza, de “convicções compartilhadas” na relação plural.
A maneira de ser de cada um constrói a maneira de ser do “eu-nós-família”.
A regra básica é agregar valores, sempre que o contexto permitir, à organização e à estruturação da personalidade(1), de modo recíproco, amorosamente compartilhado.
Considerar em seguida, o modo sincronizante, dos valores morais, econômicos, religiosos e culturais, que por sua vez, farão parte de uma possível dinâmica de desconstrução/reconstrução, de antemão, se desnorteados.
A sociologia
(…) tem sinalizado problemas em diversas direções e proporções.
Em relação àquela família que experimenta a possível perda da identidade, muitas vezes, chegando-se ao fundo do poço, é preciso estar atento.
Seus membros serão acometidos por uma predisposição involuntária de impotência, correndo o risco de serem conduzidos a uma depressão aguda (angústia profunda).
Zimerman (1993/2000) identifica problemas na comunicação, na sexualidade, problemas com filhos, deterioração gradativa do casamento em função da emancipação da mulher e nem sempre entendido pelo cônjuge. Soma-se a isto, os conflitos relacionais, a violência doméstica e diversos tipos de relações perversas (Eiguer, A. 1988).
Segundo Sally Box e outras, na obra – Psicoterapia com famílias – ”precisamos ver a família como uma unidade social e emocional”.
Quando esta unidade se fragmenta e se manifesta em comportamentos de estranhamento à convivência, à rotina diária, aos rituais da família, algo precisa ser feito e pensado diferentemente, de modo a reconstruir a relação perdida, em sendo interesse, compromisso e propósito dos membros participantes.
É preciso se permitir
(…) “reencontrar-se” para resgatar sentimentos, emoções e manifestações de afeto, perdidos pelo desgaste no tempo, provocados pela correria do dia a dia e pelo tempo maior dedicado, muitas vezes, ao trabalho e ao lazer.
Com certeza, as sobras do tempo sequer alimentam as relações afetivas e necessárias à construção da boa convivência e do bom clima em família, em meio aos membros.
O importante é observar que, nos casos, principalmente de ruídos na comunicação, este processo, dinâmico-vincular, se deteriora paulatinamente e portanto, precisa ser repensado, urgentemente, desde as vivências psíquicas, notadamente a partir da experiência vivenciada junto aos pais.
Para se compreender o presente, é necessário retroceder ao passado, de preferência ao passado recente, à vida de família, na origem.
A história de família pode apresentar cenas de sofrimento e de alegria, informações importantes e significativas e uma vez alojadas no inconsciente, farão parte do futuro comportamento, adequado e/ou inadequado.
Tudo aquilo que não foi bem elaborado (passado), retornará na experiência da nova família. Cada membro ocupará um lugar e desempenhará um papel, algumas vezes, com retrovisor no passado.
Segundo Gomes
“Não podemos esquecer que o mito familiar, na medida em que inclui convicções partilhadas e “aceitas a priori”, apesar de seu caráter de irrealidade, terá uma dimensão de sagrado ou tabu, não sendo questionadas para manter a homeostase (equilíbrio) do grupo, evitando que este se deteriore ou corra riscos de destruição”.
A família, em tese, deveria se caracterizar a partir do “sistema equilibrado”, segundo sua “nova cultura de valores” construída sinergicamente na socialização da experiência subjetiva, tal como – maturidade afetiva, troca de interesses, relações saudáveis, etc.
Na contra mão dos teóricos que defendem o equilíbrio da família em regras – o que alimenta a unidade e comunhão, mais que regras, será a maturidade das relações que se manifestam na solidificação revitalizante de concretos laços vinculantes.
“O processo psicoterapêutico facilita as conexões por meio da livre associação de palavras, desvela a potência do passado e constrói pontes na potencialização do presente, rumo às novas possibilidades de vida – essa travessia muda completamente a vida” (FPC).
CONCLUSÃO
Finalmente, a psicanalise será exitosa se exercitar e transformar em hábito a desconstrução das atitudes defensivas.
A reconstrução de experiências afetivas/efetivas, afirmativas, por meio do diálogo, “terapêutico-vinculante”, expressará o grau de maturidade a ser alcançado pela família.
Somente a abertura ao(s) outro(s) gera convergência, apequena a divergência e transforma a personalidade.
FLORIPA, 16.08.23
REFERÊNCIAS BÁSICAS
- “A família em desordem” de Elisabeth Roudinesco
- Resenha: Roudinesco discute a transformação da família ao longo dos tempos, especialmente frente às questões de gênero, sexualidade e patriarcado. O livro aborda a família desde a sua origem até os modelos contemporâneos, evidenciando as crises e mutações. A obra é uma reflexão sobre a história da família e seu papel no desenvolvimento psicológico dos indivíduos.
- “Família: Redes, Laços e Políticas Públicas” de Ana Lúcia Goulart de Faria (Org.)
- Resenha: Este livro traz um aprofundamento sobre as configurações familiares contemporâneas, enfocando a complexidade das relações, as redes sociais de apoio e a importância das políticas públicas voltadas à família. A autora aborda como os vínculos familiares são influenciados e transformados pelas mudanças socioculturais.
- “Comunicação e família: Novas configurações, papéis e interações” de Lívia Marques Ferrari de Figueiredo
- Resenha: A autora discute a comunicação familiar no cenário contemporâneo, considerando as novas tecnologias e formas de relacionamento. Aborda as mudanças na dinâmica familiar e como isso influencia na comunicação entre seus membros. O livro destaca a importância do diálogo claro e assertivo para a construção de relações saudáveis.
- “A família contemporânea em debate” de Jurandir Freire Costa e Sérgio Telles (Orgs.)
- Resenha: Reunindo ensaios de diversos autores, esta obra busca compreender as mudanças nas estruturas e nas dinâmicas familiares da contemporaneidade. Abordando temas como homoparentalidade, divórcio e novas configurações familiares, o livro é um panorama riquíssimo sobre a família no cenário atual.
- “A Transmissão Psíquica Entre Gerações” de Alain de Mijolla
- Resenha: Mijolla explora a transmissão psíquica entre as gerações, discutindo como traumas, conflitos e vivências dos pais podem influenciar nos comportamentos e nas emoções dos filhos. A obra aprofunda-se no conceito de transgeracionalidade, mostrando como a história familiar pode moldar a personalidade e os relacionamentos futuros dos membros da família.