“Uma etiologia (do grego αιτία, aitía, “causa“) sexual se mostra invariavelmente presente nos casos de histeria – Freud (1893)”. Que tal experimentar, com uma “atenção flutuante”, esta narrativa, fora do divã.
Quase sempre uma “causa”, ligada a temas da sexualidade, está presente nos “conflitos psíquicos freudianos” (neuroses, psicoses e perversões), chamados de “afetos aflitivos”, gerando sofrimentos localizados.
INTRODUÇÃO – desejo, logo existo.
Segundo Claparède, “o instinto sexual é o motivo de todas as manifestações da atividade psíquica”. Será que estamos diante de possíveis conflitos ao colocar o desenvolvimento psicossexual (energia/libido), desde início, como parte fundamental da evolução psíquica da vida humana, ao falarmos de… “desejo, logo existo” ?
Tem-se clareza das consequências desta afirmação, mas sinta-se convidado a mergulhar nestas águas, rasas aos primeiros passos e profundas na travessia…
Com certeza, o que se procura, dependerá da “curiosidade champolliona” em decifrar a “psique-freudiana”, caracterizada por uma divisão topográfica da mente, em três níveis/sistemas, pela hierarquização das suas instâncias em Consciente (Cs), Pré-consciente(Pcs) e Inconsciente(Ics), e pela subdivisão do Inconsciente em ID, EGO e SUPEREGO, frente à força do instinto, das pulsões e da inteligente sedução ao “eu-desejante”, que insistirá, ad aeternum, em deixar-se encontrar.
Consciente, pré-consciente e inconsciente
(…) pequena parte da mente, situado na periferia do aparelho psíquico. Pré-consciente, “barreira” entre Inconsciente e Consciente. Segundo Freud, a maior parte desse sistema é Inconsciente. Encontra-se aí, os determinantes para a personalidade, com fontes de energia, instintos e pulsões, mais os “desafetos” reprimidos. Aqui, a primeira tópica.
Uma nova fronteira conceitual, então, é descoberta entre o somático e o psíquico. Quem quiser passar para além do Bojador e/ou atravessar o Rubicão, se surpreenderá.
Tem-se a impressão que os estudos de Freud a respeito das neuroses/histeria (ponto de partida do saber psicanalítico) permitiram descobrir o método científico para estudar o Inconsciente, território da iniciante psicanalise à época e que mais tarde, será reconhecida como “saber interpretativo”, “cura pela palavra”, por se revelar em “pistas de interpretação”, conduzindo “à consciência do doente, o psíquico recalcado (desafeto) nele – Freud(1922)” .
Sua contribuição à humanidade é fruto de árdua pesquisa à mente, demente. O potencial misterioso da psique se revela ao criar o segundo mundo imaginário tão real, tanto quanto, ao primeiro mundo experienciado e vivenciado, “hic et nunc”.
Por acreditar que se é aquilo que se escolhe, os indivíduos refletem e reproduzem “assimilando” a diversidade das ofertas midiáticas e imposições mercadológicas por meio da família, na primeira socialização e depois, na sociedade, meios de comunicação e muitos outros segmentos em que se respira, desde aí até a vida adulta. Dizem que a cultura uniformizante/dissimulante fará “as pessoas semelhantes”, será verdade?
Freud, em 1923
(…) ao estruturar o aparelho psíquico (conjunto de elementos organizados em sistemas, ocupando certo lugar na mente) abala muitas crenças, inclusive a crença tradicionalizada dos filósofos racionalistas. A racionalidade não conceituará o homem em sua totalidade, d’ora em diante. O homem não será somente o limite de sua consciência.
Freud representa assim, a “terceira ferida narcísica” da humanidade e divide os estudiosos de seu tempo deixando sua revolucionária marca na história, à semelhança de Copérnico e Darwin.
Na descoberta construtiva da teoria do Inconsciente, três sistemas caracterizam a formação da personalidade, “ID,EGO,SUPEREGO”. Na verdade, trata-se, das instâncias do aparelho psíquico, advindas juntamente com o método proposto por Freud, depois de um longo tempo, incubado em clínicas, pesquisas, experiências e registros. “O eu não é mais senhor em sua própria casa – Freud”. Aqui, a segunda tópica.
A teoria se consolida, apesar de tantos desencontros. O ser humano realmente não precisará se “esconder” numa porção significativa do Inconsciente. A psicanalisee o seu “constructo teórico” se tornarão um caminho árduo, laborioso e exitoso àqueles que se “dispuserem a descobrir-se” (“o enigma da esfinge…decifra-me ou devoro-te”).
O aparelho psíquico, até então, inexistente, passa a ser estudado chamando atenção de Freud, sua dinâmica. É fundamental compreender, passo a passo, como funciona e gera energia (mobilização energética pulsional). No modelo da primeira tópica se encontram as pulsões do eu e as sexuais e no modelo da segunda, se encontram as pulsões de vida e de morte.
Descobre-se a diferença entre instinto/Instinkt e a pulsão/Trieb. Juntos revelam o potencial do dinamismo psíquico – energías, motivadas pelo desejo, caminham em direção à descarga. Nas instâncias, descargas em trânsito, dinamizam o ID (princípio do prazer/desprazer), o EGO (regulador/mediador) e o SUPEREGO (regulador/repressor). É a vida psíquica fluindo, em abundância.
O instinto, pela natureza biológica
(…) é uma herança dos antepassados. Ele tem uma finalidade específica, fisiológica e se apresenta com suas necessidades básicas.
Por outro lado, a pulsão, necessidade psico-física, tem suas representações psicológicas. Ela vai para além da necessidade e nem termina completamente. Busca satisfação e descarga. Trata-se de uma experiência pessoal. O objeto do desejo pode variar sempre, ainda que, não necessariamente se limita ao objeto físico.
Segundo Freud, falar da teoria das pulsões, é falar da mitologia pessoal, das coisas (inconsciente) e palavras (pré-consciente) que nos habitam (colonização afetiva). As pulsões, contínuas, precisam de controle e destino, senão, se transformam em sintomas. Portanto, precisam ser canalizadas.
A pulsão, representante psíquico das excitações, tem sua origem no interior do corpo e chega ao psiquismo (Freud,1015). As necessidades internas produzem excitações, acompanhadas de movimentos em suas descargas, chamadas de “expressões emocionais”. Essa força (soma de excitações) precisa estar ligada a um representante (afeto/ideia) para que possa se manifestar.
Identifica-se nas pulsões, os três princípios básicos: do prazer, da realidade e da compulsão à repetição (desprazer). “Para Freud, estamos divididos entre o princípio do prazer (que não conhece limites) e o princípio de realidade (que nos impõe limites), Lima (2009).
Na intenção de restaurar o “estado anterior de coisas” (expressão da inércia inerente à vida orgânica), cada um encontra a satisfação de seus próprios impulsos pulsionais de acordo com a trajetória e história libidinal da própria subjetividade.
Enquanto as pulsões de morte tentam adiantar o objetivo da vida (conduzir a vida orgânica de volta ao estado inanimado), as tensões de vida tentam mostrar outro caminho, por meio de pequenas experiências de prazer/desprazer, prolongar a vida.
Segundo Freud, “ … tudo o que vive, morre por razões internas, torna-se mais uma vez inorgânico, seremos então compelidos a dizer que o objetivo de toda vida é a morte”.
“Freud estabelece de forma definitiva a dualidade de Pulsões de Vida (Eros) e Pulsões de Morte (Thanatos), que, em algum grau, atuam fundidos entre si”, segundo Rego.
Na verdade
(…) na obra de Freud encontra-se o(s) conceito(s) sobre as pulsões, em duas fases, segundo as tópicas.
Na primeira fase, em “Pulsões e seus destinos (1915), tem-se as pulsões consideradas, autopreservação (fome) e sexuais (satisfação/prazer).
Na segunda, em “Além do princípio do prazer (1920), tem-se as pulsões de vida (união das pulsões sexuais e do ego) e as pulsões de morte (redução da carga de tensão orgânica e psíquica). Em síntese, à semelhança da Física, forças de atração e repulsão.
Neste sistema desconhecido do Inconsciente (princípio do desprazer/prazer), território de ninguém e de muitas “coisas e palavras” ao mesmo tempo, existem ações, produções imaginárias (sonhos, fantasias, delírios), significantes dessignificados à espera do princípio da realidade (pré-consciente), por desvelarem-se.
Finalizando
(…) causas diversas se mostram “variavelmente” presentes nos conflitos psíquicos. À Consciência, órgão sensorial, resta o trabalho de perceber as qualidades psíquicas que estimulam – “a fluição/fruição” – da vida.
Freud reconhece que as fantasias, com desejos conflitantes, ocupam um lugar importante na etiologia das neuroses histéricas e que a maioria das histéricas, não sofreu abusos. A teoria do trauma é substituída pela realidade psíquica. Da imaginação para se chegar à mente, um passo à vida intrapsíquica.
E quanto a Claparède, ao ver o instinto sexual em todas as manifestações da atividade psíquicas, alimenta um “pseudo-pansexualismofreudiano”. Na verdade, trata-se de um reducionismo, uma recusa do essencial na experiência psicanalítica. “Aquilo que Freud descobriu (e fundou teoricamente) como lugar real de onde se determinam as subjetividades continua sendo o mesmo lugar….(graças) à atualidade e ao vigor do pensamento do mestre vienense.” (Cardoso).
Freud concentrou seu trabalho no Inconsciente – base e realidade da vida psíquica – a partir das neuroses e transferências. Atualmente, por se entender a psicanalisecomo campo dinâmico e sempre em mudança, é preciso caminhar para além…
Histórias libidinais
(…) explicam a subjetividade daqueles que procuram no Inconsciente, identidade, para além do narcisismo egóico e da imposição social.
“Flectere si nequeo superos, Acheronta movebo”, isto é, se não “puder” vencer os céus, “mova” o Inferno(Inconsciente) – (Virgílio, Eneida. Livro VI, verso 878).
Se a alma da psicanaliseé interpretação, bons resultados dependem de boas “pistas interpretativas”. Instinto e pulsão, de fato, geram conflitos psíquicos. Desafie-se à travessia deste “rubicão/bojador psicanalítico”, de modo teórico, prático, ético… e desejante. Vale a pena.
“Tudo vale a pena se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor…”
(Fernando Pessoa).
Floripa, Agosto 2023
Referências básicas
- “O Mal-estar na Civilização” – Sigmund Freud
- Resenha: Nesta obra profunda, Freud explora a tensão entre os desejos individuais e as demandas da sociedade. Argumentando que a civilização reprime os instintos naturais do homem, Freud delineia a eterna luta entre o desejo de liberdade individual e a necessidade de repressão para manter a ordem social.
- “O Eu e o Id” – Sigmund Freud
- Resenha: Freud introduz o conceito da divisão da mente humana em três partes: o id, o ego e o superego. Nesta exploração, ele descreve como esses três componentes interagem e competem, formando a base da personalidade humana e do comportamento.
- “A Interpretação dos Sonhos” – Sigmund Freud
- Resenha: Em sua obra mais icônica, Freud argumenta que os sonhos são manifestações dos desejos reprimidos e inexplorados. Através da análise dos sonhos, ele revela as profundezas do inconsciente e estabelece o método de interpretação dos sonhos como uma ferramenta fundamental na prática psicanalítica.
- “O Espelho do Real: Psicanálise e Arte” – Jean Bellemin-Noël
- Resenha: Bellemin-Noël explora a intersecção entre a psicanalisee a arte, sugerindo que ambas buscam retratar e compreender a realidade psíquica. Esta obra profundamente perspicaz explora como a arte, assim como os sonhos, pode servir como uma janela para o inconsciente.
- “O Seminário, Livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise” – Jacques Lacan
- Resenha: Lacan, um dos mais influentes pós-freudianos, aborda quatro pilares da psicanalise: a divisão entre o inconsciente e a linguagem, o papel do ego na formação da identidade, o conceito de objeto “a” e a natureza transgressora da pulsão de morte. Esta obra é essencial para aqueles que desejam compreender as evoluções contemporâneas da teoria psicanalítica.