AGRESSIVIDADE HUMANA

256-DEPRESSÃO, a dor existe

DEPRESSÃO, “a dor de existir”– Parodiando Lacan,  em diálogo com o  “sujeito do inconsciente, do desejo” – “o que quer a ‘Tristeza’ de mim, para que eu possa me reconhecer e me amar?” 

DEPRESSÃO, A DOR EXISTE
DEPRESSÃO, A DOR EXISTE

INTRODUÇÃO

 O sofrimento é inerente à experiência de “ser humano”, de modo especial, o sentimento de sentir-se só, muitas vezes, fragilizado/despedaçado, dado à insatisfação, à incompreensão, à frustração,  frente às  limitações da vida. A experiência da singularidade, valorizada à maneira freudiana/lacaniana,  pode ser, um dos caminhos, recomendável, para se compreender, se reposicionar e se catalisar, decompondo a “dor de existir”. 

“Tudo o que você ama provavelmente será perdido,  mas no final o amor voltará de outra forma” (Kafka).

Em síntese, trata-se de discernir o  sentido substancial do  sentimento, “inconsciente”, de sentir-se culpado/triste diante dos reveses da vida. 

De acordo com Stella Jimenez, o desejo constitui “a primeira e única riqueza do ser humano” – quando se desiste do desejo, a existência desiste da “fruição do afeto”, deste modo, aquele que desiste estará condenado a ser “gauche na vida”, segundo  a melancólica  expressão drummondiana. 

Então, se faz necessário, novos processos de aprendizagem, reaprender a  conectar os pontos,  lançar as redes em “correntezas arrojadas”, em “águas profundas e turvas”, se a intenção é  decifrar o enigma do sentido persecutório da infelicidade.

  Só peixe que “morre pela boca”, boia e desce rio abaixo. Aquele que “luta pelas palavras”,  disponibiliza-se ao privilégio, de enxergar, falar,  fazer e ser   diferente. Quiçá, ser feliz!

 Nada(r) na diferença… navegar – depressão, a dor existe

Quando se tratar de tristeza, sofrimento, depressão,   pode-se bater à porta das neuroses, psicoses e perversões – dívidas “psicanalíticas”  ao ” ressignificado” conceito do complexo de Édipo.  Quanto  ao  “cerne da questão”, existe realmente uma  diferença entre o olhar da psiquiatria para a  depressão  e  a escuta da psicanalise para a melancolia. 

 Dizem que “o homem triste é  o homem profundo  e que nem sempre a alegria é rasa”, faz sentido e/ou é retórica de literatura, de “Titãs”,  – “O quê?   Que não é o que não pode ser que …” (Titãs, 1986).

“Das correntezas arrojadas” (…) – depressão, a dor existe

lamentavelmente, a geopolítica do mundo atual se apresenta ao avesso do encantamento, à semelhança   de cristais em   caleidoscópio. 

Fragmentos  de encontros e desencontros,  multiplicam a seletividade dos olhares egóicos e imperialistas, criando condições cada vez mais, inóspitas, a quem precisa viver. 

Guerras ideológicas alimentam cenários inimagináveis. Vírus  criados em laboratórios,  verdadeiras armas de destruição em massa,   mudam as relações de força,  poder e liberdade  no mundo de hoje, impactando   terrivelmente, na qualidade de vida, no  futuro das novas gerações e no ecossistema planetário.

 No meio da caminho, o fenômeno  agonizante das barreiras fronteiriças, aos migrantes que se deslocam   dos  “porões periféricos”, de regiões desertificadas, fugindo da fome  e da miséria. Essa multidão desorientada,  deseja viver, do mínimo  decente, pelo menos, matar a fome  da    dignidade,  do direito de existir. 

“Das águas profundas” (…) – depressão, a dor existe

busca-se  mais  oxigênio –   flexibilizações, transparências,  fome de justiça,   pão,  moradia, saúde, educação,   liberdade de expressão, mobilidade social,  territorial e novas  expressões de sexualidade.

Busca-se menos dependências tóxicas e mais distância – de culturas conservadoras, crenças fundamentalistas,  autoridades arbitrárias e  ditatoriais,  organizações corporativistas manipuladoras, et cetera, etc. 

Cada vez mais se experimenta a solidão, a miséria e violência, provocadas por interesses de lucros e enriquecimentos acelerados, muitas vezes, ilícitos/desonestos. 

Das águas turvas” (…) – depressão, a dor existe

  eis  que surge   uma minoria esperta e usurpadora – fora da curva,   gananciosa e depredadora,  de empresários e pessoas jurídicas,  de Estados governamentais inescrupulosos, que simulam a defesa do bem de todos e na verdade armazenam, em benefício próprio,   em detrimento de uma maioria desorientada e desorganizada, a ser explorada e colonizada,  empobrecida e escravizada, desumanizada. 

Diante deste cenário, onde prevalece  a experiência de submissão e exploração, vê-se  a dignidade abalada, marginalizada, abafada – a fome e o desespero gerando desconforto  e conduzindo  multidões a um estado de  estagnação,  à beira de uma tristeza, próximo a um “suicídio coletivo”,  que precisa ser  denunciado, compartilhado e dia após dia – ecoado.

 A realização pessoal, profissional e familiar custa a chegar e muitas vezes,  não acontece. O  sentimento de culpa pelo não sucesso, então,  cria o clima do mal-estar, da civilização. 

 “Da infelicidade” (…) – depressão, a dor existe

a “doença da modernidade” se revela  na depressão – perda paulatina,  do sentido da existência. Basta ver o sentimento de tristeza nos olhares  e nos  movimentos de  hordas, em ondas migratórias,  a morrer, em alto mar e  nas praias continentais,  fenômeno mundial e de consequências imprevisíveis, irreparáveis.    Impossível compreender a morte, de modo especial,  de crianças, sem se revoltar. 

O pagamento altíssimo por este  pedágio existencial, retira do ser humano, o que em sua  essência, deveria torná-lo singular, sua capacidade de fazer o outro existir.   É na atualidade e será, em futuro próximo,  o grande  desafio à  comunhão dos povos, à convergência dos cidadãos deste planeta,  chamado carinhosamente de Mãe-terra. 

Trata-se da luta pela  “transfiguração da angústia em alegria”  ainda que a humanidade se veja, em pleno século XXI,   cambaleante, em direção à distante “sede pela solidariedade”,  pelo  sentido à vida, de cada um e de todos. 

Pelo olhar  da organização sócio-política

– o sujeito se vê desgovernado, muitas vezes, por lhe   ser negado, direitos ao seu protagonismo e   bem-estar.

Por outro lado, a cidadania ,  se reconhece manipulada. Migalhas de mentiras, “travestidas” de verdades,  caem das mesas,  em  “fartos banquetes de lagostas e bons vinhos”, falaciosamente  justificados, por retóricas inescrupulosas.  “Políticos honestos” e “bem intencionados”, verdadeiros “semi-deuses”, ainda    “blasfemam” ao falar  em nome do povo  e acreditam, viver no país de Cocagne.  “Tudo é incrível nesta terra absurda (…) A coragem das coisas novas não vem de chofre. Leva tempo para formar-se”(LOBATO, 1946).

 Faz-se  necessário, reverter, extirpar e higienizar os espaços públicos,   eivados de  falsos discursos, promessas efêmeras, sorrisos ardilosos e banquetes debochantes. 

Pelo olhar  da organização sócio-religiosa

– na religiosidade, na experiência do fenômeno religioso,  no misticismo, o sofrimento, muitas vezes é considerado como ponto de partida/chegada. 

A narrativa religiosa  apresenta a criação do homem/mulher, no contexto   do   “triste-desejo”, trata-se do  afastamento da criatura de seu   criador, característica da   imperfeição humana, (acídia). À alma, à época medieval, se atribuía ao  espírito de tristeza, o clima necessário  para interiorização, quando o crente  se punha  à procura do sentido da existência ,  no sobrenatural.

 A experiência de culpa/reconciliação, em muitas crenças religiosas,  é um dos caminhos  para se chegar à felicidade, curiosamente o seu ponto de partida é   a ideia da perda, ainda no “paraíso”, daquilo que faz o ser humano feliz.

Pelo olhar da psicanalise

–  faz parte da vida do ser humano a experiência da alegria e da tristeza. Evidentemente, que na balança da existência, em tese, deve pesar mais, o prato da alegria, mas nem sempre se tem a sensação afetivo-psíquica que esta  lógica  possa predominar,  na realidade,  dia a dia.

 Tem-se a impressão que o ser humano precisa se “agarrar” em alguma coisa para superar esse impasse, essa angústia.  Em quê, em quem  se “agarrar”?  A narrativa se limita  à perspectivafreudiana/lacaniana, ainda que, aborde Lacan nos desdobramentos   de conceitos enriquecedores  à compreensão  da singularidade, frente ao sofrimento.  

Freud, em O mal-estar na civilização, aborda o sentido da felicidade  como “fenômeno episódico”, dada à limitação da existência, chegando mesmo a passar a ideia de pessimismo,  de algo quase  impossível. O mal-estar, segundo a narrativa de Freud,  à sua  época –  hoje em dia, se mantém presente, com acréscimos de novos agravantes, decepcionantes. 

O desdobramento da vida orgânica para uma vida menos instintiva,  mais cultural,  humanitária  e espiritual,  tem paradoxos, por vezes, massacrantes e incompreensíveis. Como entender a brevidade da vida,  de sua transitoriedade, efemeridade, quando a própria vida se encontra mergulhada no oceano  de tristeza?  Freud  diz da transitoriedade,  da  penosidade, quando se refere à  retirada da  libido dos objetos perdidos. 

A limitação do tempo do prazer, na  experiência de Freud,  diante de um breve encantamento, no caso, da beleza de uma flor, diz ele,   só aumenta o valor da fruição. A brevidade da vida, na experiência do luto do ente querido,  não  rouba da vida  o seu encantamento. Ainda que, segundo Freud, no inconsciente, a sensação que se tem da vida, é e será,  sempre de imortalidade. 

O  que quer a tristeza de mim – depressão, a dor existe

   (…) quando se instala  na alma do ser humano e se expressa por meio da melancolia ?

“Melancolia é um estado psíquico de depressão com ou sem causa específica. Caracteriza-se pela falta de entusiasmo e predisposição para atividades em geral”. Na obra de Freud, Luto e Melancolia, não havia uma distinção clara entre melancolia e depressão. Esta questão é um tanto complexa e precisa de melhor aprofundamento. 

 Segundo Freud, trata-se de uma “neurose narcísica –   (…) o melancólico exibe um empobrecimento do Eu em larga escala, em que o Eu está desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível  (…)  no luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio eu”.

“A melancolia se caracteriza por um desânimo profundamente penoso, cessação de interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição de toda a produtividade, e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima – “sentimento de estima de si” – a ponto de encontrar expressão em se recriminar e em se degradar,  (Érica Siqueira)”.

Em síntese, na experiência da melancolia, o eu se empobrece e se apequena ao desconhecer o que lhe foi retirado da consciência. Sabe que perdeu, mas não sabe o quê, sente-se preso a uma fatalidade e não sabe como resolver. 

O que quer a tristeza de mim – depressão, a dor existe

(…) quando se instala  na alma do ser humano e se expressa por meio da depressão?

“Depressão e melancolia são compreendidas como sinônimos. Atualmente, usa-se mais “depressão”, no passado (Freud) usava-se “melancolia“. Alguns autores defendem a ideia de que o conceito “depressão” não se apresenta dentro de uma  estruturafreudiana.

 Segundo Freud, entende-se  por depressão, as “limitações das funções do eu, fugas – por precaução ou por empobrecimento de energia”.  Na experiência da depressão o sujeito tem consciência da origem de seu mal-estar, portanto, em condições de procurar soluções. 

Deste modo, o  querer da tristeza  depressiva se supera no propósito de  –  não se   abrir mão do desejo. O sentimento de culpa sempre aparecerá quando o desejo  não for alcançado (angústia de realização). Somente no tempero da expressão do  afeto, a depressão encontrará o caminho das pedras, para superar a tristeza. 

Bom acrescentar, que quando se fala em melancolia, fala-se a partir de uma subjetividade vinculada ao narcisismo – não aceitação da perda (psiconeurose). Quanto à  depressão, segundo Freud, é um  sintoma que pode estar em qualquer estrutura psíquica (sentimento de diminuição pessoal).

Quanto à  depressão na área psiquiátrica, entende-se uma “psicopatologia” classificada nos manuais de psiquiatria.  

Portanto, trata-se de dois conceitos,

(…) em contextos diferenciados, não se relacionando mutuamente , mas se completando (Rocha, 2008).  A subjetividade frente às condições da vida atual, experimenta  tanto a melancolia como a depressão. Ambas podem interferir  e causar mudanças nos sentimentos. Cabe aos profissionais da área da saúde, as diretrizes assistenciais.

Segundo Lacan – o melhor remédio para a angústia é o desejo. O mal-estar, presente na realidade do ser humano, tempera as relações   e dá um sabor de entusiasmo,  sabedoria e felicidade à dor de existir, desde que, “se aprenda a perder  o que se ama, na certeza, de que ele poderá voltar, de outra forma”. 

 “O que quer o Outro de mim, para que eu possa me reconhecer e me amar?” 

“Quem, dentro de si mesmo, um Paraíso não for capaz de encontrar,

 não será capaz também de, um dia, nele entrar…” (Ângelo Silésio).

João Barros

FLORIPA, 15.08.23

Referências básicas

  1. “O Mal-Estar na Civilização” de Sigmund Freud – Resenha: Nesta obra magistral, Freud investiga as tensões entre as demandas da sociedade e os impulsos individuais. Ele argumenta que a civilização restringe as liberdades individuais e, assim, origina um perene sentimento de desconforto nos seres humanos. A busca pela felicidade é constantemente barrada pelas estruturas da sociedade, o que leva ao surgimento de sentimentos como culpa e frustração.
  2. “Os Quatro Amores” de C.S. Lewis – Resenha: Lewis, neste livro profundo, analisa diferentes tipos de amor: afeição, amizade, eros e caridade. Ele discute os prazeres e perigos de cada um e como o amor verdadeiro pode levar ao sofrimento. O autor reflete sobre a natureza inerente do sofrimento humano na busca pelo amor verdadeiro e como esse sofrimento pode ser redentor.
  3. “Édipo Rei” de Sófocles (numa perspectiva psicanalítica) – Resenha: Apesar de ser uma peça de teatro, a história de Édipo é fundamental para a psicanalisefreudiana. A narrativa do rei que, sem saber, mata o pai e casa-se com a mãe, reflete os complexos inerentes ao ser humano e o sofrimento que surge do confronto com o destino e o autoconhecimento. A leitura psicanalítica da obra ressalta os sentimentos de culpa, o desejo inconsciente e o conflito interno.
  4. “O Lago da Lua” de Clarice Lispector – Resenha: Clarice, com sua sensibilidade única, aborda nesta obra os sentimentos mais íntimos e profundos do ser humano. Ela explora as aflições, as alegrias, os desejos e as frustrações que permeiam a existência. Por meio de uma série de crônicas, a autora mergulha nas nuances do sofrimento humano e na busca incessante por sentido e conexão.
  5. “O Seminário, livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise” de Jacques Lacan – Resenha: Neste trabalho, Lacan explora os conceitos fundamentais da psicanalise, incluindo o objeto “a”, o inconsciente, a repetição e a transferência. Ele discute a natureza do desejo humano e como ele é moldado e limitado pela linguagem. A obra é essencial para quem busca compreender a natureza complexa do sofrimento humano sob uma ótica lacaniana.

O que é o sofrimento?

 O sofrimento é inerente à experiência de “ser humano”, de modo especial, o sentimento de sentir-se só, muitas vezes, fragilizado/despedaçado, dado à insatisfação, à incompreensão, à frustração,  frente às  limitações da vida.

O que é a melancolia?

“A melancolia se caracteriza por um desânimo profundamente penoso, cessação de interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição de toda a produtividade, e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima – “sentimento de estima de si” – a ponto de encontrar expressão em se recriminar e em se degradar,  (Érica Siqueira)”.

            

João Barros - empresário/escritor - professor com formação em filosofia/pedagogia, teologia/psicanálise (...) atualmente, diretor pedagógico na empresa SELO BE IBRATH - com foco na supervisão e qualificação dos produtos pedagógicos e cursos livres em saúde, qualidade de vida e bem-estar. Quanto às crenças e valores, vale a máxima: o caráter do profissional em saúde - isto é - dos psicanalistas/terapeutas - determina sua missão. "Mens sana in corpore sano".