Pedagogia da psicanalise, a vida é curta demais para contentar-se com palavras.
“O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar para sair daqui? Isso depende muito de para onde você quer ir, respondeu o Gato
Não me importo muito para onde, retrucou Alice. Então não importa o caminho que você escolha”, disse o Gato. Contanto que dê em algum lugar, Alice completou.
Oh, você pode ter certeza que vai chegar se você caminhar bastante, disse o Gato.” (Alice no país das maravilhas Lewis Carroll)
Pedagogia da psicanalise – O desejo de chegar em algum lugar, cria no ser humano uma dinâmica instigante de busca pela propulsão da vida, ainda que a ansiedade, cobre de forma incompreensível, das escolhas e da vontade de bem-viver, decisões assertivas e seguras. Na dúvida, cobrará das decisões investidas de suposições, antecipadas e imaturas.
INTRODUÇÃO (pedagogia da psicanalise)
É na construção da história libidinal do sujeito que se pode encontrar os reflexos marcantes deste registro existencial, do lugar do afeto – “âncora do sentido” (Vieira). As motivações, como vento favorável, conduzem a vida ao rumo do afeto, pelo caminho do coração, da razão e do que se pode ou não fazer, desenhando os traços da personalidade na pintura, em cada subjetividade.
Sua origem encontra-se no “Id” , verdadeira realidade psíquica (Freud) e se expressa dentro de sistemas responsáveis pelas “ações psicológicas”, inconscientes, conduzindo as sensações, ao bem-estar/mal-estar, a depender, de para onde se desejar ir.
Pedagogicamente, é preciso assegurar alguns passos para se compreender melhor, a passagem da primeira à segunda tópica, sistemas que alimentam a vida psíquica, trabalhando integrados. Suas implicações na prática, fazem a vida acontecer.
Características marcantes se fazem presentes na personalidade quando se experimenta com ousadia, a provocação de se “abrir mão” da ansiedade, de se abrir a mente – aos questionamentos radicais, quanto aos caminhos, já percorridos – com o desejo de revisitá-los, na tentativa de se atirar em novas direções, desconhecidas e promissoras.
De início, será adrenalina pura, por uma aventura que transpire e conspire contra a ansiedade e a favor da proximidade e intimidade emancipatória, autodeterminante e realizadora da subjetividade.
Para se entender melhor de onde e para aonde se vai, vale a pena, revisitar o Id, como lugar da fonte energética, pulsional/vital, para se estimar melhor, os interesses do “Isso” que se manifesta, muitas vezes, na “turbulência” da consciência e que passa despercebido pela pressa de logo chegar.
Apresentar a estruturação (pedagogia da psicanalise)
(…) do aparelho psíquico àqueles recém-iniciados no campo da psicanalisee aos praticantes, é atitude pedagógica quando seu “modus operandi” prioriza, de modo didático, uma facilitação que venha à compreensão e à organização dos conceitos envolvidos, uma vez que Freud, progressivamente, vai mudando, alargando os conceitos e acrescentando novas informações, à medida de suas descobertas.
Somente então, se permitir, provocar-se, na liberdade da vontade, o pensar a reconstrução de outros caminhos, com a intenção de “sair daqui”, deste lugar – do senso comum, deste contexto, perspectivado pela ansiedade.
Em lugar de explicar a vida, simplesmente, quando se tem desafios, problemas/questionamentos – a partir do que é dado à percepção, ‘todos os mortais assim o fazem” – porquê não, se dar ao exercício de explicar a partir do lugar das pulsões – lembranças/repressões ?
“Qual é o caminho a seguir para sair daqui?
Bem, o bom juízo pede, siga o imperativo – compreende o Id, “ à semelhança do fruto proibido”, que alimenta a vida psíquica e somente então, reflita os possíveis caminhos, o que deixar e para onde se quer ir.
Vale a pena, contextualizar o ponto de partida, antes mesmo de se falar do Id/energia psíquica e do lugar da ansiedade, razão interessada desta narrativa.
Quando se fala em energia psíquica, fala-se igualmente, do ponto de vista da psicanalise, historicamente registrada pelas pesquisas e descobertas de Sigmund Freud, final do século XIX e início do século XX.
À época, onde tudo começa, instigado pelo desafio da histeria à medicina e aos pesquisadores envolvidos na descoberta de soluções à doença da mente, tão antiga e até então, ainda carregada de superstições.
Freud experiencia a histeria, passa pelas – neuroses, psicoses, perversões – trabalhando e pesquisando por meio dos métodos da hipnose, catarse, até chegar à associação livre, para encontrar a cura pela palavra, “tornar consciente o inconsciente” (Baratto), aos doentes mentais.
Partindo da histeria/angústia, Freud chega a uma metodologia para se investigar o inconsciente, fruto de sua experiência nos tratamentos, onde deduz, o lugar da solução para os recalques da psique.
Com a publicação da obra “A Interpretação dos Sonhos” (1900)
Freud apresenta a ideia do modelo do aparelho psíquico, identificando três partes significativas (órgãos), de acordo com o grau de acesso à consciência, que fundamentam o sistema mental, cujas partes estão relacionadas à consciência, formando sistemas.
- Inconsciente (Ics) – arquivo sensorial de conteúdos, representante das pulsões, que se manifesta de modo distorcido. Vida mental, presente em sua maioria no inconsciente.
- Pré-consciente (Pcs) – arquivo de palavras, lugar da busca pela memória;
- Consciente (Cs) – aqui/agora da vida mental, acesso direto. Dotado de energia móvel. Responsável pela comunicação interior/exterior.
Neste período de pesquisas, identifica a existência do complexo universal de Édipo, que será uma chave de interpretação e referência para a teoria da personalidade.
Em “Três ensaios de sexualidade” (1905) (pedagogia da psicanalise)
Freud apresenta o processo de desenvolvimento psicossexual, a descoberta da sexualidade na infância.
A segunda tópica da estrutura mental da personalidade, aparece em “O Ego e o Id” (1923). Surge diante do que é possível observar do funcionamento da mente em situação de conflito:
- Id/Isso, princípio do prazer/desejo instintivo, exige gratificação – parte pulsão e parte conteúdos vividos/recalcados. Ausência do sujeito coerente.
- Ego, princípio da realidade, seu impulso e energia vêm do id. Autonomia relativa. Dotado de mecanismos de defesa frente ao afeto desagradável. Operações defensivas, grande parte inconscientes. Responsável vida prática/self. Coordena funções e impulsos internos.
- Superego, segunda divisão dentro do próprio Ego, autocensura, mediador de conflitos auto-punitivos, forças anti-instintivas, ideais de padrão. Gera o sentimento de culpa dentro do Ego.
É justamente deste ponto, que a narrativa vai caracterizar a dinamicidade do Id na explicação dos instintos/pulsões, sublimados, permitindo o alargamento e a compreensão da vida psíquica, segundo a visão de Freud.
É o Id, à semelhança das ousadas “caravelas”, que “soprando” pelos ventos dos instintos/pulsões, conduzirá a vida, confiante naqueles que melhor disporem a direção das velas, em direção ao porto seguro.
Tem-se aqui a questão básica, o ponto de partida – de onde vêm os instintos?
Os instintos têm sua explicação a partir do Id (lugar das representações inconscientes e inatas, memórias) onde se encontra, disposto em dois polos pulsionais, o sexual e o agressivo de acordo com a obra, “Dualidade dos Instintos” (Freud, 1920),
A vida psíquica, também se tornará agitada, igualmente benéfica, nesta “pororoca”, no “encontro das águas do mar com as do rio”, isto é, do encontro da pulsão sexual (libido/instinto de vida) com a pulsão agressiva (instinto de morte).
Importante reafirmar que a teoria psicanalítica define o campo do psiquismo a partir do Ics e não do Cs (menor parte da mente humana).
Conhecido até então, o Cs inclui tudo que é do Ics, inclusive as experiências presentes no Pcs e as experiências recalcadas, porque o Cs, também tem parte Ics.
Parece complicado, mas é preciso paciência para destrinchar, parte por parte.
Bom lembrar, Freud demonstra que não se pode definir o homem de modo isolado – “O sujeito não é senhor de si”. A psicanalisesinaliza a existência da dualidade do eu dentro do mesmo sujeito.
Enquanto muitos à época compreendiam o sujeito como uma coisa só, indivíduo, indivisível, a psicanalisevem para desconstruir o conceito – “pensa que é dono de si mesmo e ao mesmo tempo não o é – parte do seu eu se faz presente no Ics, no Pcs e Cs.
Movido pelos desejos mais íntimos, carregados de memórias, imposições e representações – busca descarregar sua libido, em novas sensações, precisa viver.
Entre a razão e o afeto (pedagogia da psicanalise)
(…) existe uma grande diferença. Escolher um deles para definir a vida, é assumir as consequências do impacto que será levado aos vários campos, na vivência por uma filosofia de vida.
Freud, ao aprofundar a ideia do aparelho psíquico, dará uma atenção especial ao Ics, no entanto, não descartará o Cs por enxergar nele a conexão do universo interior com o exterior (Pc-Cs) – porta da entrada da percepção.
O Cs tem o seu papel de importância no diálogo com Ics e Pcs. Por meio da percepção existe a comunicação do interior com o mundo exterior. A realidade externa, apreendida pela linguagem simbólica é introjetada, em forma de memória. Será absorvida, via percepção e fará parte do sistema psíquico.
Freud identificará no sistema Percepção/Consciência (Pc-Cs) uma tarefa para o Ego. Irá sobreviver se criar sempre novos fatos significativos para aí colocar a sua energia.
De volta ao Ics, parte mais importante do aparelho psíquico, breve consideração para se aproximar do conceito de vida psíquica na tentativa de sinalizar o lugar da ansiedade na vida do ser, sedento pela vida, carregado de impulsos e sentimentos.
Segundo Freud – a maior parte de nossa vida psíquica se deve ao Ics. Com certeza, a teoria psicanalítica pode, de modo afirmativo, conceituar a vida psíquica, na sua totalidade.
Para LAPLANCHE & PONTALIS (pedagogia da psicanalise)
“Se fosse preciso concentrar numa palavra a descobertafreudiana, seria incontestavelmente na palavra inconsciente, pois em psicanaliseé a estrutura psíquica que compreende os impulsos e sentimentos dos quais o indivíduo não tem consciência; é a pedra do fecho de toda teoria da psicanalise, em alemão é o não sabido” .
O Ics passa por uma expansão em seu conceito, mantendo-se em permanente evolução. Abordado na primeira tópica como associado ao recalque para se apresentar na segunda tópica – Id, estruturado, teoricamente preparado para assegurar os processos psíquicos. Dotado de leis próprias, com destaque ao processo primário, imediatista, ligado ao organismo. Enquanto Pcs e Cs, estão caracterizados pelo processo secundário, sabem adiar necessidades, ligados à experiência de vida. Trata-se de mera conotação temporal e biológica.
Assim, é fácil a compreensão de suas características essenciais – os conteúdos são representantes das pulsões, eles apresentam mecanismos próprios no sentido de expressão/manifestação, tais como os fenômenos de condensação e deslocamento.
Estes conteúdos, carregados de energia, retornam, isto é, escapam em direção à consciência e à ação por meio das “formações de compromisso”, chamados de sintomas que apontam para uma realidade fora da consciência.
Trata-se do conflito censurado, colocado no esquecimento e que vai para o corpo na forma de sintoma. Simultaneamente, realiza o desejo do inconsciente e das exigências da defesa.
Freud diz que a vida psíquica é
“… cheia de pensamentos eficientes embora inconscientes, e que era destes que emanavam os sintomas” (Mod.4).
As pulsões sexuais/agressivas – pulsões de vida e de morte se encontram nas representações inconscientes. As pulsões interpelam constantemente em direção a alguma coisa, em busca de satisfação.
Ao se abrir as portas do Id, ao Ego e ao Superego, evidentemente com ajuda de um profissional, psicanalista competente, pode-se, assim, achegar à ansiedade, à insatisfação pulsional, a inquietude que “nos habita” – no horizonte da subjetividade de nosso tempo, tempo das conexões.
CONCLUSÃO (pedagogia da psicanalise)
Você pode ter certeza que vai chegar, se caminhar bastante.
Daqui em diante, é com você.
“ A vida é curta demais para contentar-se com palavras.
É difícil demais, porém, para dispensá-las. (Comte-Sponville, A.)
FLORIPA, 15.08.23
Bibliografia básica (s)
- “O Ego e o Id” – Sigmund Freud – Resenha: Em “O Ego e o Id”, Freud explora a relação entre as partes conscientes e inconscientes da mente. O livro apresenta a proposta das três instâncias da psique: o Id (reservatório de impulsos e desejos inconscientes), o Ego (o mediador entre o Id e o mundo externo) e o Superego (a parte moral e crítica da mente). Freud detalha como essas entidades interagem e conduzem o comportamento humano.
- “A História da Sexualidade” – Michel Foucault – Resenha: Michel Foucault investiga a “invenção” da sexualidade na sociedade ocidental e como ela se tornou uma chave para a compreensão da identidade individual. Ao invés de tratar a sexualidade como um aspecto natural da existência humana, Foucault examina como ela foi construída historicamente, influenciando a formação da subjetividade.
- “O Corpo Fala: A Linguagem Silenciosa da Comunicação Não Verbal” – Pierre Weil e Roland Tompakow – Resenha: A obra investiga como nossos corpos comunicam sem palavras, expressando emoções, desejos e afetos. Os autores examinam a linguagem corporal em várias situações, oferecendo insights sobre como o corpo revela o que muitas vezes permanece oculto em nossa psique.
- “Ansiedade: Como Enfrentar o Mal do Século” – Augusto Cury – Resenha: Em sua abordagem sobre a ansiedade, Cury discute os desafios contemporâneos que exacerbam os estados de ansiedade. Ele descreve técnicas e estratégias para enfrentar e gerenciar a ansiedade, propondo uma reflexão sobre os padrões de pensamento e comportamento que contribuem para essa condição.
- “A Descoberta do Inconsciente: História e Evolução da Psicanálise” – Henri Ellenberger – Resenha: Este livro oferece um panorama histórico da evolução da psicanalisedesde suas raízes na medicina e na hipnose até o desenvolvimento da teoriafreudiana. Ellenberger examina as influências culturais e individuais que moldaram a psicanalisee destaca os principais pensadores e movimentos do campo.