Nem sempre o “princípio do prazer” (buscar/prazer – evitar/dor) torna agradável o caminho da certeza na melhor escolha – diante da encruzilhada, correr o risco de errar sozinho seria subestimar os próprios limites; ousar acertar e/ou errar juntos, seria uma forma de prover-se do mínimo necessário, para sobreviver entre “desejos/defesas”.
INTRODUÇÃO (luto, memória do abandono)
““… se o mar não tivesse coragem de na praia morrer, … se o mar não tivesse coragem de na praia morrer, o espetáculo das ondas não iria acontecer”.
Descobrir que o caminho se faz na caminhada e que nos atalhos se encontram verdadeiros “oásis-olfativos/afetivos”, de boas fragrâncias, dependerá de uma aposta afirmativa, pessoal, na elaboração de atos em atitudes, que revelem o empoderamento do bom propósito em compromisso existencial.
Então, pé na estrada caminheiros, vamos caminhar e saciar afreudiana/lacaniana inquietude, a sede do desejo e expandir a noção do espaço em paraíso, na paridela do “Ego”, paciente das exigências do Id e da censura do Superego.
Bom lugar é aquele em que a vida acontece, na alegria do encontro e na tristeza do desencontro, dialeticamente cúmplices na dialogicidade, pela busca da superação do estado de sofrimento (sintoma).
Das aparências sensíveis às realidades inteligíveis e simbólicas, “alguma coisa”, “alguma palavra”, desejo, sentimento, percepção, se manifestam nos atalhos das paixões, da razão e da moral (consciente e/ou inconscientemente).
Curiosamente – LUTO, MEMÓRIA DO ABANDONO
(…) o que movimenta o ser humano é aquilo que lhe falta, seu “desejo-desequilibrante/cadente”. E, de vez em quando, soma-se ainda, aquilo que ele pode perder, deixar de carregar ou, lhe ser tirado ao longo do percurso existencial.
Psicanaliticamente, pode-se ousar, desconstruir invasões que se apresentam com a força da repressão (forma de defesa) contra a ameaça da “ansiedade/angústia”. Transformar o recalque em palavras com significado e nome, ao desconhecido, será um exercício desafiador.
Abrir as cortinas, acordar-se, desacomodar-se para se reencontrar…
Se é verdade que a ausência daquilo que ainda não se possui, faz caminhar – em cada amanhecer, “haverá outra ausência”, raiando no horizonte, com o novo dia.
A “ausência-presente” – daquilo que, aparentemente se nos habita em alegria e se esvai em tristeza – registra na categoria do sentimento, os bens simbólicos de “pertencimento”, os ecos afetivos compartilhados (aprendizagens, atitudes, respostas e interrogações).
A morte ao sinalizar o limite,
(…) corre o risco de levar a vida de volta à inorganicidade.
Segundo a Escritura, “Tu és pó e ao pó da terra retornarás”(Gn 3,19).
“Segue o teu destino, Rega as tuas plantas, Ama as tuas rosas. O resto é a sombra De árvores alheias.”(FP)
Que tal uma imersão na “experiência subjetiva da perda”, daquilo que se é permitido possuir do mundo exterior, como mínimo necessário, no tênue limite do imprescindível. O sentido ritual do luto, quase sempre, acompanhado de sofrimento, pode se fazer valer quando ressignifica a vida de quem permanece, após a experiência de morte, do “objeto/pessoa” perdido (a).
“… Não! É impossível que toda essa beleza da Natureza e da Arte, do mundo de nossas sensações e do mundo externo, realmente venha a se desfazer em nada. Seria por demais insensatos, por demais pretensioso acreditar nisso…” Freud (1969, p.345).
Pode-se falar da transitoriedade da perda,
(…) bem como de sua permanência. Duas possibilidades, muitos caminhos. Quanto à transitoriedade, ganhos e perdas podem ser considerados. Quanto à permanência, igualmente? Quais caminhos? Investir na vida animada pela mortalidade e/ou acreditar na vida animada pela imortalidade…
Privilegie a escolha que ressignifique a razão de experimentar-se homem/mulher, no tempo (corpo, espírito e existência). Existe, na brecha do lampejo faiscante, a oportunidade fulcral…descubra, pois, a conexão da “libido/energia vital”, na “lâmpada freudiana/lacaniana.
Jogue-se do marasmo, do intervalo da angústia aprisionante, já que o “Ego” não é mais, nem o lugar da (sua) escolha subjetiva e muito menos, o lugar da escolha daqueles afetos mais próximos, que de modo carinhoso, “sub-repticiamente”, escolheram sem a permissão do (seu) “Ego” (ferido).
“… se o mar não tivesse coragem de na praia morrer, o espetáculo das ondas não iria acontecer” (Grupo OPA). Escolha um boa causa que valha o espetáculo. A vida valerá, o que valham as causas.
Fazendo uso das credenciais (luto, memória do abandono)
(…) da linguagem figurada, a vida representada pelo trem, segue tempos preciosos e bem estabelecidos, a “locomotivaeu” reboca muitos “vagõesexperiências”, para em algumas “estaçõestransformações” …alguns descem, outros sobem e juntos, novos passageiros (e desconhecidos afetos) – “colonizam a mente/afetos” – e prosseguem, rumo ao próprio destino. Quanto aos “desafetos colonizantes” – personae non gratae – que desçam nas próximas estações…
Saudade às ausências prazerosas…dívidas às ausências desprazerosas, experienciadas.
“A realidade. Sempre é mais ou menos. Do que nós queremos. Só nós somos sempre. Iguais a nós-próprios.”(FP)
Assim sendo, a narrativa de uma viagem, “sexualmentefreudiana/lacaniana”, pode revelar o prazer/desprazer de respirar nos “vagões”, as emoções, desolações de cada “estação”.
Afreudiana/lacaniana jornada existencial acontece, sempre sendo roteirizada pela “locomotiva” da subjetividade que se alimenta da energia sexual, libido vitalizante/revitalizante, a ser descarregada, na percepção que valha, a superação dos “olfativos lugares”, muitas vezes, mal-usados e marginalizantes, em estações de olhares recalcados, desenergizados.
“Suave é viver só. Grande e nobre é sempre. Viver simplesmente. Deixa a dor nas aras Como ex-voto aos deuses.” (FP)
Nesta narrativa, de modo particular,
(…) a intencionalidade se volta para a estação do luto, imperativo necessário, de parada e reconstrução do sofrimento. Talvez, até se possa pensar à semelhança de Freud, de Lacan, ou de repente, seguir avante, inventar outro caminho. Vale a pena “psicanalisar” para ressignificar.
Quem permanece, à partida de quem muito se ama, o que lhe resta senão em caminhar adiante e se permitir habitar pela “ausência-presente”. Será possível energizar, renergizar, sinergizar uma “ausência”, que poderá insistir, em continuar “presente”?
Bem, licença, por um pequeno parênteses, quem sabe, a contextualização da psicanalise, possa ajudar e venha mesmo, iluminar a compreensão deste dilema existencial.
Falar da contribuição da psicanalise(luto, memória do abandono)
(mediação transferencial) à abordagem do sofrimento no luto, é falar desde Freud, o homem que promoveu de modo revolucionário, uma ruptura de paradigmas, quebrando tabus, à sua época. Sua teoria a respeito da sexualidade deixou o mundo perplexo e colocou “trilhos” para uma locomotiva, antes desgovernada (subjetividade).
Sabe-se pela história da sexualidade que Freud inovou quanto expandiu o conceito, para além de sua definição, desde a infância, não restringindo a vida sexual simplesmente nem ao ato e nem a atração sexual, genitalidade, contagiantes.
A originalidade de Freud conduzirá, na história da sexualidade, o impulso sexual ao seu devido lugar. A sexualidade terá um novo entendimento, desde de sua fonte orgânica.
Será através da sexualidade, de sua força motriz que as neuroses, psicoses, e perversões terão novas abordagens. Ele descobrirá a dinâmica evolutiva da psique, desde os primórdios da vida, in “Três ensaios sobre a sexualidade (1905)”.
Segundo Freud, a teoria da sexualidade, construída e constitutiva do sujeito, se explicará a partir do conceito da libido (desejo/prazer). Tratar-se-á das pulsões de autoconservação/sexual e de sua manifestação dinâmica na vida psíquica.
Na sexualidade estará a origem de todo comportamento humano. A sexualidade humana é pulsional e obedece a uma força permanente da libido. Desta forma a pulsão amplia o conceito da sexualidade humana que deixa de ser refém da genitalidade, função reprodutora.
Finalmente, Freud fará diferença em duas descobertas, na metodologia para estudo do inconsciente e na perspectiva sexual como abordagem dos fatos psíquicos e sociais. A personalidade estará, para sempre, associada à sexualidade (Complexo de Édipo).
Retornando à narrativa, tem-se aqui a possibilidade de se experimentar o genuíno sentido do “desorientar-se” – o que pode faltar ao homem e ao mesmo tempo, vir a perder e que lhe é de grande valor? A libido/energia sexual.
Então, retornando ao sofrimento (luto, memória do abandono)
(…) pela perda da pessoa, objeto da razão transferencial da intensidade dos afetos, da energia nela depositada, – para onde e como extravasar , ritualisticamente, tanta libido? Segundo Freud, …“a sombra do objeto recai sobre o ego” (1917).
“ Freud (1917) afirma que diante do exame da realidade, que comprova que o objeto não mais existe, o Eu precisa fazer a escolha de manter ou não o direcionamento a esse objeto.
Em virtude disso, este é convencido pelas forças narcísicas a se manter vivo e, portanto, a romper o vínculo com o objeto amado. Dado o cumprimento do trabalho do luto, o Eu ficará novamente livre” (Souza).
Portanto, experimentar o luto será uma forma de renunciar à perda e recompensar ao “Ego”, confirmando e consolidando-se diante da continuidade da própria vida, na visão de Freud.
Com isto, desinveste-se da representação do “objeto/pessoa” e se torna livre para transferir essa energia a novos olhares. O “teste da realidade”,freudianamente elaborado, tem a intenção de preservar o ego.
“É necessário um verdadeiro trabalho psíquico de perda, […] tarefa lenta e dolorosa através da qual o eu não só renuncia ao objeto, dele se desligando pulsionalmente, como se transforma, se refaz no jogo com o objeto” (Rivera, 2012, p. 234).
Por outro lado, tem-se uma outra vertente, outro modo de se conduzir o dilema quando a vida é desafiada a se posicionar diante da morte.
Lacan, na mesma cartilha de Freud, faz uma leitura diferente. Se o luto passa a ideia de um desligamento de vínculos, na compreensão lacaniana da perda, “essa tarefa implica na sustentação e manutenção desses vínculos, mesmo no vazio do objeto” (Viola, 2008, p. 49).
Na teoriafreudiana, há um desinvestimento libidinal do objeto, na teoria lacaniana acrescenta-se o papel do simbólico e do imaginário.
Àqueles que experimentam o luto como sofrimento, aprendem que a vida pede continuidade, intensidade e amplidão.
Talvez, se acrescentar à visãofreudiana,
(…) o caminho lacaniano, acreditando que o caminho acontece na caminhada, será possível, descobrir nos atalhos, oásis – onde a vida de quem, pela força do amor, fez o eu existir – não precisará morrer na praia, continuará a descortinar o espetáculo da esperança (realização daquilo que deseja), ao perfumar as paixões/Id, a razão/Ego e a moral/Superego.
O paraíso existe e não se limita ao conhecimento do bem e do mal, à subjetividade o compromisso de expandir exponencialmente o espaço/tempo do “self”. “Superar os complexos inconscientes e diferenciar entre as forças do ego e do self, ajudará na definição da própria individualidade” (Jung).
Concluindo, a história da libido, experienciada na subjetividade das pulsões de vida e de morte, impacta a formação da personalidade determinando assim, o “modus vivendi” de cada ser humano, principalmente, no contexto desta experiência radical de vida/morte – a “decomposição da força vital”, mexe convicções e ressignifica a vontade de viver.
Conhecer a si mesmo e construir uma sólida personalidade, são os primeiros passos para se compreender que o sofrimento é inerente, faz o ser humano existir.
Em síntese (luto, memória do abandono)
(…) para atalhar o atalho, sinergize, – o segredo da vida é se permitir introjetar da “energia” daqueles que pela força da experiência amorosa, fazem a vida intensamente encantadora acontecer… sejam amigos…amores…família… parceiros inseparáveis…presentes/ausentes, importam.
“No fundo, o amor é o desejo que procura unificar a dualidade”, (Terêncio, 2011), trazendo o homem para mais perto de si mesmo.
”Se o “ego/self” não tiver coragem de na inquietude se descobrir, o espetáculo dos outros não irá acontecer”.
FLORIPA, AGOSTO 2023
Referências Básicas
- “Luto e Melancolia” (1917) – Sigmund Freud
- Resenha: Neste ensaio clássico, Freud explora a distinção entre luto e melancolia. Ambos os estados resultam da perda de um objeto amado, mas a melancolia tem características peculiares. Freud propõe que no luto, há um desinvestimento do objeto perdido, permitindo que a energia seja deslocada para outro objeto. Em contraste, a melancolia resulta em uma identificação com o objeto, levando a uma autocriticismo severo.
- “O Seminário, Livro 7: A Ética da Psicanálise” (1959-1960) – Jacques Lacan
- Resenha: Neste trabalho, Lacan explora a dimensão ética da psicanalise. Entre os temas abordados, destaca-se sua reflexão sobre o luto e a relação do sujeito com o Outro. Lacan introduz a noção de “objeto a”, o objeto de desejo que nunca é completamente alcançado, e discute como a perda é experimentada no contexto psicanalítico.
- “A perda da realidade na neurose e na psicose” – Sigmund Freud
- Resenha: Freud examina a diferença fundamental entre neurose e psicose baseada em como o ego lida com a realidade. Através deste olhar, a perda, seja de um objeto ou da própria realidade, é vista sob uma lente psicanalítica que proporciona uma compreensão aprofundada dos mecanismos de defesa e da elaboração do luto.
- “O luto e sua relação com os estados maníaco-depressivos” – Melanie Klein
- Resenha: Klein, influenciada por Freud mas com sua própria visão teórica, investiga os processos do luto em crianças e sua relação com os estados maníaco-depressivos. Através de sua abordagem, Klein acentua a importância do mundo interno e dos objetos internos na elaboração do luto.
- “Luto: A dor do luto e o trabalho do luto” – Joyce Catlett e Robert W. Firestone
- Resenha: Este livro fornece uma visão contemporânea sobre o luto, explorando a complexidade das reações humanas à perda. Os autores discutem como as pessoas podem enfrentar e eventualmente superar o luto, ressaltando a importância de enfrentar a dor ao invés de evitá-la.