Psicanálise em diálogo – Nestes últimos tempos, terríveis e difíceis, frente à pós-pandemia, contaminados, não contaminados, recuperandos e recuperados, somos todos, companheiros de mesma jornada, convidados a refletir e a repensar a trajetória, o lugar do ser humano no universo, aqui e agora considerando a grande contribuição da psicanaliseem diálogo com a realidade que nos desafia.
A qualidade das relações – consigo mesmo , com os outros, com a natureza e com o mundo global é posta à prova. Quem é o ser humano e para onde vai?
INTRODUÇÃO – psicanaliseem diálogo
A psicanalise em diálogo – Por ser otimista frente à realidade – bem/mal – que permite o ser humano existir, trago comigo a máxima de Ortega Y Gasset, desde os tempos da vida universitária, quando procuro compreender, aprofundar o sentido da vida que habita cada ser humano – “o homem é o homem e a sua circunstância”.
Acredito! O ser humano traz em seu DNA a memória/herança de seus ancestrais. Somos o resultado dos muitos que nos antecederam. Portanto, evoluímos, mais distantes do instinto e mais próximos à essência da vida, dialeticamente, artífices da cultura. Valerá, cada vez mais o mantra – o que é de todos, deve ser partilhado – é a sua dignidade que descortina o melhor horizonte.
Paradoxalmente, o exercício de falar sobre a vida exige em contrapartida a generosidade de sentir e construir a vida, a espiritualidade(1) – desde suas contradições, acertos e erros, verdadeira luta pela sobrevivência. Assim caminha a humanidade – “é uma carruagem que passa deixando poeira àqueles que se encontram à beira do caminho” (…)
Hoje, de modo especial, ressignificar o sentido à vida, individual e coletiva, não é uma das tarefas mais fáceis. Vive-se uma fragmentação generalizada. Vive-se uma pluralidade de ofertas e uma diversidade de opções e caminhos. Vive-se uma sobrevivência sem compromisso com o semelhante, muitas vezes, chegando às raias da exterminação do semelhante, próximo mais próximo e do próximo “mais distante”. O “individualismo exacerbado” cresce… cada um por si, não importa. E porquê se importar?
Essa reflexão tem a pretensão de sensibilizar-se às possibilidades colaborativas da psicanalisena construção da singularidade do ser humano, quando em diálogo terapêutico com a realidade.
Primeiro, pelo resgate do “bom-humor” do bem-estar, que se perde frente ao sofrimento e segundo, pela transformação da realidade sociocultural que manipulada – coisifica a existência. Compromissos efetivos e eficazes de cuidado, autocuidado, farão diferença, no tempo, de modo exponencial.
Psicanálise em diálogo – primeiro cuidado, bem/mal.
Falar da natureza do ser humano é se dar ao exercício da “racionalização da complexidade”.
De maneira simples, o que interessa a essa reflexão é repercutir a tendência dos seres humanos em dividir a humanidade. Quem é do bem? Quem é do mal? Certamente, pessoas do bem fazem coisas boas e pessoas do mal fazem coisas ruins.
Acredito que esta atitude irrefletida de julgamento, carregada de preconceito, revela o apequenamento e a mesquinhez daqueles que se julgam melhores. Não é um caminho cativante…
Quem somos nós para julgar quem é do bem e quem é do mal? Pessoas do bem, igualmente, praticam coisas ruins e pessoas do mal, igualmente, praticam coisas boas. Grande dilema que se coloca ao crivo do certo e do errado – nossas normas morais – diga-se de passagem, muitas vezes “máscaras de um desencontro existencial”.
É preciso repensar o lugar da bioética na busca de sentido à totalidade.
Psicanálise em diálogo – segundo cuidado, pobres/ricos.
A sociedade se encontra dividida, diversos grupos, pessoas que têm muitos bens materiais e recursos financeiros extraordinários para “até a quinta geração” e do outro lado, aqueles que quase nada têm… os empobrecidos, os marginalizados, os excluídos.
Trata-se das classe sociais, muito ricos, muito pobres… intermediários e restantes, miseráveis. Também aí, a vida não encontra sentido, a vida não se explica.
O ser humano não é o que possui, o ser humano é a sua essência, aquilo que é.
É preciso repensar a distribuição dos bens, a economia solidária.
Psicanálise em diálogo – terceiro cuidado, crentes/não crentes.
Acreditar em Deus, não acreditar. Teísmo, ateísmo, agnosticismo. As pessoas se organizam conforme seus credos religiosos, tem-se aí, igualmente, uma diversidade de crenças, religiões, espiritualidades e religiosidades. É muito instigante a partilha do sentido do “fenômeno religioso” (…)
Existe nestes grupos uma visão de mundo, sentido de vida – muitos experimentam e buscam o sentido da felicidade, da salvação paradisíaca – muitos outros, também, fora da experiência religiosa, se encontram em processos de busca, insatisfeitos com aquilo que encontram.
Diversos caminhos com, muitas vezes, diversos encontros, desencontros/frustrações.
É preciso repensar o lugar das crenças na busca do sentido.
Psicanálise em diálogo – quarto cuidado, político/apolítico.
Diversas pessoas, cada grupo com sua ideologia e seus partidos. Todos em busca do bem-viver, individual e coletivo.
Curiosamente também aí, a limitação se apresenta, quando se experimenta o fundamentalismo político que massacra quem pensa diferente e exclui os diferentes… a ideologia ainda não dialoga bem com o pensamento divergente.
No cenário mundial, de um lado, aqueles que defendem a “cultura da democracia” e de outro, aqueles que defendem Estados totalitários, sem liberdade e “pseudo bem-estar” para todos.
É preciso repensar o lugar da política na busca de sentido.
Finalmente,
(…) onde pode colaborar a psicanalisee como estabelecer o diálogo com a realidade, de tal forma que prevaleçam relações saudáveis na construção e na busca do sentido da vida, do bem-estar para todos?
Pela reflexão compartilhada, curiosamente, chama atenção, o potencial da psicanalisequando o objeto de estudo é a vida psíquica, em termos de conhecimento, pesquisa e experiência. Evidentemente, tem muito a contribuir.
Com foco, desde o início, nas relações do eu consigo mesmo, a psicanalisefreudiana/lacaniana se expande ao longo dos anos.
Soma-se ainda, a particularidade contributiva da visão lacaniana, onde o eu está em constante diálogo com o Outro, que habita o inconsciente. O mundo externo habita a singularidade.
A efervescência da realidade assola e nestas últimas décadas, nota-se o alargamento, distanciamento da própria identidade e do imperativo do pertencimento. Sem identidade, sem destino, sem rumo e sem felicidade, não se pode “esperançar”, desde o presente, o horizonte da existência.
Então, perspectivar a positividade dialogal da psicanalisena construção de um mundo diferente e promissor, será uma forma de pensar acertadamente, e porquê não – bussolar.
Agregar sentido à identidade, na experiência da singularidade, por meio da psicanalise, será caminho sinérgico e colaborativo à ética, à bioética, economia, religião e política.
Em Lacan se fala que a psicanalisese circunscreve à ética do desejo… Se se entende que o desejo é aquilo que nos falta e é aquilo que ao mesmo tempo, nos movimenta, aprofundar a ética do desejo, será um caminho formidável para se resgatar a identidade que se perde e a cada dia nos desafia.
Ainda que se encontre críticos à psicanaliseno mundo atual, pensar a realidade a partir dela, é uma forma de pensar “fora da casinha”, “fora da curva” – ao ser humano se agrega novos valores sempre quando nos colocamos em relações saudáveis e sinergéticas – o outro existe pela intensidade da nossa interação.
Acredito que investir no diálogo construtivo da psicanalisecom a realidade do mundo de hoje, atualizando, repensando e aprofundando, cada vez mais, as descobertas psicanalíticas, será um bom caminho, rico de oportunidades. Instigante e inquietante.
Em breve síntese – psicanaliseem diálogo
(…) resgatar por meio da psicanalise, a identidade, o bem-estar, a qualidade de vida, das diversas pessoas que se angustiam, ao experienciar a existencialidade, será uma contribuição agregadora e diferenciada que fará significativa contribuição.
Um lugar garantido à psicanalise, às psicoterapias – às terapias – deveras, pode encantar, desafiar…desafinar, jamais! E a ponte onde a singularidade vai e vem passa pela relação dialogal.
FLORIPA, AGOSTO 2023
Nota
- “A espiritualidade se encontra na leveza e na verdade das coisas mais simples e mais grandiosas da vida… No choro de felicidade e de tristeza; no sorriso da criança, do adolescente, do adulto e do idoso; no canto dos pássaros; balanço das árvores; nos sentimentos internos de tormenta e calmaria. O que seria da vida sem isso? ” (MARIA APARECIDA MELLO)
Referência básica (s)
- “O Mal-estar na Civilização” de Sigmund Freud
Resenha: Neste livro clássico, Freud explora a tensão entre o desejo individual e as demandas da sociedade civilizada. Ele aborda a natureza do mal-estar humano e explora como a psicanalisepode ajudar a entender e lidar com essas complexidades. A obra é um importante ponto de partida para aqueles que buscam entender como a psicanalisepode colaborar na busca de relações saudáveis e significado na vida.
2. “A Descoberta do Inconsciente” de Henri Ellenberger
Resenha: Ellenberger apresenta um estudo profundo sobre a história da psicanalisee a descoberta do inconsciente. O livro é uma ferramenta valiosa para entender como a psicanalisese relaciona com outros campos da psicologia e como ela pode ser usada para abordar questões de bem-estar e sentido na vida moderna.
3. A Paixão Segundo G.H. de Clarice Lispector
Resenha: Embora seja uma obra de ficção, este livro de Lispector é profundamente enraizado em questões filosóficas e psicanalíticas. A história de uma mulher em uma profunda crise existencial oferece uma visão sobre o autoconhecimento e a busca pelo sentido da vida. É uma leitura instigante para quem se interessa pelo diálogo entre literatura e psicanalise.
4. Mentes inquietas: entenda melhor a mente saudável e a mente ansiosa e Ana Beatriz Barbosa Silva
Resenha: A autora, psiquiatra renomada, oferece uma visão clara e acessível sobre transtornos de ansiedade e como podem afetar a busca pelo bem-estar e sentido na vida. Ela discute tratamentos e abordagens, incluindo a psicanalise, para ajudar aqueles que lutam com essas questões. É uma leitura útil tanto para profissionais quanto para leigos.
5. Psicanálise e Educação de Maria Rita Kehl
Resenha: Kehl explora como a psicanalisepode ser aplicada no campo da educação, enfocando a formação de indivíduos conscientes e responsáveis. O livro aborda como a psicanalisepode ajudar educadores e alunos a estabelecerem relações saudáveis e a buscar o sentido e o bem-estar em suas vidas.